Edge Computing no espaço: ações mais rápidas sem interferência terrestre

Satellite in orbit over Earth
Cristina De Luca -

Maio 24, 2021

Como avaliar o estado de saúde de um astronauta doente? Como saber se as condições atmosféricas e da superfície de um planeta apresentam algum perigo para uma tripulação à beira de explorar o local? Como encontrar o local ideal na superfície lunar para abastecer um pequeno veículo levando suprimentos? Ou como testar os equipamentos e trajes espaciais de astronautas que precisam sair de uma estação espacial para realizar reparos na estrutura externa? O espaço apresenta grandes desafios, e requerem que decisões críticas sejam tomadas rapidamente. Em segundos, não em minutos ou horas.

A transmissão de uma informação de poucos bytes da Lua para uma estação receptora terrestre pode levar de 5 a 20 minutos. A primeira imagem panorâmica que o rover Perseverance tirou ao pousar em Marte em fevereiro deste ano levou quase dois dias para chegar à Terra. A própria confirmação do pouso levou 11 minutos, tempo para o sinal de rádio atravessar os 330 milhões de Km que separam os dois planetas.

Gargalos assim prejudicam qualquer decisão rápida que tenha que ser tomada após o processamento da informação recebida, que já chega à Terra atrasada. Por isso, concentrar mais poder computacional na ponta oposta da terrestre pode solucionar muitos dos desafios enfrentados por pesquisadores, cientistas, astronautas e afins quando trabalhando na órbita do nosso planeta. Mas outros problemas somam-se à distância de transmissão, como o espaço físico limitado, a energia necessária para que as coisas funcionem, e mecanismos de resfriamento para os equipamentos.

O nome que se dá à tecnologia que permite o processamento local de dados coletados na ponta é Edge Computing, que agiliza a tomada de decisões e a configuração de ações específicas no menor tempo possível. Aplicada desde a agricultura até em carros autônomos, a tecnologia tem evoluído para trazer cada vez mais poder computacional para a ponta, liberando as vias de comunicação com as centrais de processamento na nuvem. E as aplicações tornam-se ainda mais interessantes nas missões espaciais – onde os canais de comunicação são longos e de alta latência, e um grande poder computacional local dependeria de vastas fontes de energia.

O grande desafio de Edge Computing é balancear o poder computacional local, em um pequeno espaço físico, consumindo pouca energia e mínima largura de banda para comunicação com centros de comando. E ainda assim conseguir o feito de processar uma vasta quantidade de dados localmente para criar uma solução otimizada de tomada de decisões, que podem afetar positivamente o seu negócio, ou a sua missão. O que aumenta também o desafio de monitoramento dessa infraestrutura. O monitoramento é vital para proteger ativos críticos, garantir o desempenho da rede, identificar anomalias sistêmicas e identificar ameaças cibernéticas internas / externas.

Segundo a MarketsandMarkets, a pandemia de Covid-19 acelerou o mercado global de Edge Computing, que deve crescer de 3,6 bilhões de dólares em 2020 para 15,7 bilhões em 2025. A necessidade de tecnologias mais concentradas na ponta onde os dados são coletados aumentou e vai continuar crescendo, devido a vários fatores: a evolução dos carros autônomos, a corrida espacial, o aumento no número de funcionários trabalhando de modo remoto são apenas alguns exemplos. Todos sobrecarregam as bandas das redes de comunicação, aumentando a latência do processamento e demandando mais poder de computação e armazenamento local.

O lançamento de cada vez mais satélites, foguetes e a ampliação de estações espaciais como a ISS (Estação Espacial Internacional) tem demandado um avanço enorme nas composições de captação e armazenamento de energia, poder computacional em circuitos nanométricos, protocolos e meios de comunicação e armazenamento.

A NASA, IBM, RedHat e HPE iniciaram neste ano um projeto de sequenciamento de DNA em Edge Computing na ISS, conectando os sistemas da estação espacial a datacenters na Terra. Usando o Spaceborne Computer-2 (SBC-2) da Hewlett Packard Enterprise, astronautas e pesquisadores na ISS serão capazes de realizar experimentos com informações coletadas localmente e de outros satélites, sem ter que enviar os dados de volta à Terra para processamento. O computador foi enviado à ISS a bordo da nave Cygnus, acoplada ao foguete Antares na missão NG-15 (15th Northrop Grunman Resupply Mission to Space Station) lançada no dia 20 de fevereiro, de Wallops Island, Virginia, EUA. A missão foi batizada com o nome da matemática negra Katherine Johnson, que teve papel instrumental nas primeiras viagens espaciais tripuladas.

O objetivo de levar Edge Computing para o espaço é aumentar a velocidade dos resultados dos experimentos realizados nas estações espaciais, para que decisões sejam tomadas mais rapidamente para mudar a direção ou sentido das pesquisas, tornando a tecnologia um fator fundamental para futuras missões espaciais à Lua, Marte e além. Também pode ser usada para melhorar os cálculos de trajetórias e rotas de outras naves, satélites, entre outras necessidades básicas para o deslocamento e vida cotidiana no espaço.

Somente no projeto Genesis no Espaço-3, de sequenciamento de DNA, os dados levantados levariam semanas para chegarem às mãos dos cientistas na Terra. Com o uso de containers com código analítico a bordo da ISS, a dependência dos cientistas já não é mais uma barreira para a obtenção de resultados rápidos. A solução usa Containers Red Hat CodeReady em clusters OpenShift – que empacotam tudo o que é necessário para um código de machine learning ser executado, junto com sistema operacional ferramentas e bibliotecas – e vai permitir que as pesquisas sejam replicadas em datacenters terrestres, onde cientistas irão desenvolver, testar e criar novos códigos de análise para serem reenviados à estação espacial.

Uma outra operação de Edge Computing importante é a que organiza nanosatélites, em órbita a 400 a 600 Km da superfície terrestre, para que realizem uma sequência comum de tarefas, como estudar mudanças no clima, monitorar desastres naturais, e alertar para potenciais violações de segurança nacional. Um nanosatélite é por definição um objeto tecnológico espacial que pesa menos de 10 Kg e mais de 3 mil já foram lançados no espaço desde 1998. Organizados em constelações de dezenas, ou centenas e com painéis solares montados em suas superfícies, são capazes de operar a um pico de até 7.1W.

Gráfico indicando constelações lançadas e em planejamento, com seus respectivos números de nanosatélites
Constelações lançadas e em planejamento – https://www.nanosats.eu/

Mas a capacidade energética não é o único fator limitante dessas engenhocas. Seu pequeno volume não permite que seja empacotada muita tecnologia, em particular reduzindo os circuitos embarcados e até a distância focal possível das lentes de suas câmeras. Os nanosatélites vão armazenando informações, até que estejam sobre uma estação de recepção terrestre, baixando naquele momento todos os dados que coletaram. Isso faz com que haja uma janela de até 5 horas e meia, desde a captura até a transmissão dos dados para a Terra. As estações terrestres que têm um link de 200 Mbps, por exemplo, podem receber até 15GB de dados em cada sessão de 10 minutos. Mesmo em situações climáticas ideais, isso limitaria a recepção a 9 nanosatélites por revolução, fazendo com que fossem necessárias 112 estações estrategicamente posicionadas para cobrir uma constelação de 1000 nós.

Mesmo com melhorias nas capacidades das estações terrestres, os próprios nanosatélites têm limites em seus links de comunicação, tornando a tarefa de receberem “ordens” daqui de baixo muito trabalhosa e pouco eficiente. Assim, dar esse poder de controle para os próprios satélites ou estações espaciais é a única maneira eficaz de organizar centenas de nanosatélites em missões especiais. E fazer com que eles ajam em colaboração pode diminuir drasticamente a quantidade de dados que cada um precisa coletar e transmitir, fazendo com que uma rede de estações receptoras terrestres seja capaz de lidar mais facilmente com o crescente número de constelações com lançamento planejado para os próximos anos.

E muitos desses nanosatélites podem vir equipados com novos processadores criados especificamente para serem usados no espaço. Empresas como a Loft Orbital, por exemplo, desenvolvem processadores Edge que podem formar malhas tipo redes Mesh e realizar computações mais complexas em paralelo, tornando-se uma solução para projetos pesados de tratamento e análise de imagens, ou de simulações climáticas, por exemplo.

Não há barreiras para as aplicações da tecnologia de Edge Computing. De fato, o Gartner indica que em 2018 apenas 10% dos dados gerados por empresas eram processados fora de data centers centralizados, mas que em 2025 esse número chegará a 75%. O céu não é mais o limite para essa tecnologia.