Como gerar evidências para soluções digitais de saúde

HealthTech
Sheila Zabeu -

Abril 26, 2023

Soluções digitais no setor de saúde têm crescido rapidamente nos últimos anos, mas os desenvolvedores ainda enfrentam desafios consideráveis para apresentar evidências em termos de segurança, eficácia e geração de valor. Apresentação de evidências para remédios e tratamentos na medicina tradicional é algo rotineiro, mas como deve ser abordada no campo digital? Ainda falta consenso generalizado sobre os tipos e níveis de evidências que as soluções tecnológicas voltadas para saúde devem gerar.

A Roche, multinacional suíça que atua nos ramos farmacêutico e diagnóstico, patrocinou a elaboração de um documento que explora desafios e possíveis abordagens para geração de evidências sólidas para soluções digitais e assim ajudar a promover inovações em grande escala para médicos, profissionais de saúde e pacientes.

A pesquisa se baseou em entrevistas e discussões com especialistas nos Estados Unidos, União Europeia e Reino Unido e incluiu representantes da indústria, de práticas clínicas, do ambiente acadêmico, formuladores de políticas e reguladores. Várias questões foram levantadas, entre elas qual o significado de “geração de evidências” em saúde digital e por que isso é importante. Também foram abordados os principais desafios e como ajudar startups e inovadores a gerar evidências e realizada uma pesquisa com 144 líderes no campo da saúde em todo o mundo, perguntando sobre a importância dos diferentes tipos de evidências em suas decisões para adquirir soluções digitais. 

Segundo o estudo, existem vários meios para gerar evidências que os desenvolvedores podem adotar. Podem ser evidências baseadas em literatura ou dados reais para quantificar um problema clínico, validar um conceito e fundamentar o desenvolvimento dos produtos. Posteriormente, avaliações podem ser feitas para verificar a segurança, a eficácia e a geração de valor das soluções. Embora muitos tipos de evidências possam ser gerados em qualquer estágio do ciclo de desenvolvimento, alguns estão mais fortemente associados a determinados estágios.

Como a geração de evidências em saúde digital ainda é incipiente, falta consenso em torno da terminologia. Por esse motivo, o estudo destaca que é fundamental ter uma base comum com definições importantes para facilitar a comunicação entre as partes envolvidas, incluindo pacientes, profissionais de saúde, engenheiros de software, acadêmicos, fabricantes, reguladores e formuladores de políticas.

Outro alerta feito pelo estudo é que métodos tradicionais considerados a melhor ferramenta para avaliação da eficácia de medicamentos e outras intervenções podem ser inadequados para as soluções digitais de saúde por serem incompatíveis com o ritmo tipicamente acelerado e a natureza iterativa do desenvolvimento de software. Além disso, podem exigir muito tempo, dinheiro e outros recursos.

Portanto, são necessárias novas abordagens de avaliação para novas tecnologias. Software é fundamentalmente diferente de drogas e equipamentos médicos, logo não deve ser tratado da mesma forma, reforça o estudo. O chamado Software como Dispositivo Médico (SaMD, na sigla em inglês) ainda está em sua fase de infância e carece de métodos de validação específicos.

Geração de evidências no microscópio

Não existe uma maneira única e exaustiva de categorizar as atividades de geração de evidências. No entanto, muitos especialistas dividiram o processo em três grandes campos: técnico, clínico e econômico. 

Além disso, grande parte dos tipos de evidências pode ser gerada em várias etapas do ciclo de vida dos produtos, mas algumas podem ser particularmente associadas a certas fases. Por exemplo, resultados clínicos que demonstrem a segurança e a eficácia da solução são essenciais para a aprovação regulatória, enquanto análises econômicas são importantes para garantir o reembolso. Já nos primeiros estágios de ideação, profissionais técnicos podem gerar evidências para validar um conceito, realizando pesquisas com usuários e reunindo estudos descritivos.

Os principais desafios para gerar fortes evidências para soluções de saúde digital apontadas na pesquisa são:

  • Falta de conhecimento: Em muitos casos, não há informações claras sobre os requisitos de evidência exigidos, por exemplo, por órgãos reguladores. Em muitos países, já estamos vendo avanços nessa área, com o estabelecimento e comunicação dos padrões de evidências.
  • Custo financeiro: Gerar evidências pode ser um processo muito caro. Não existe incentivo para investir no desenvolvimento de evidências sólidas. Devem ser estabelecidas vias de reembolso.
  • Disponibilidade de dados: Muitas vezes, os desenvolvedores não têm acesso a dados para ajudar no processo de geração de evidências. Interoperabilidade deficiente, arquiteturas de dados isoladas e  políticas de dados incoerentes entre regiões limitam avanços nessa área.
  • Desafios metodológicos: Metodologias de pesquisa tradicionais usadas na avaliação de drogas e outros procedimentos são inadequadas para muitos serviços digitais de saúde. Além disso, o rápido ciclo de atualização de software torna redundantes os métodos tradicionais em algumas situações.
  • Alfabetização em saúde digital: Baixos níveis de alfabetização em saúde digital, tanto entre pacientes quanto entre profissionais de saúde, é um obstáculo considerável para geração das evidências e adoção mais ampla dessas soluções.

Novas abordagens

Segundo o estudo da Roche, na fase inicial do desenvolvimento dos produtos, há espaço para empregar uma variedade de métodos de geração de evidências, como estudos qualitativos, pesquisa secundária (por exemplo, analisando linhas de tratamento clínico ou sistema de saúde) e testes de usabilidade. No entanto, esses métodos produzem evidências mais fracas do que os métodos tradicionais. 

Uma abordagem mais pragmática pode incluir simulações clínicas, estudos observacionais usando dados reais e ensaios em plataformas. Essa opção é um novo tipo de estudo que pode ser útil para a avaliação das soluções de saúde digital em rápida evolução, pois os testes são criados, projetados para serem adaptáveis, permitindo que intervenções sejam modificadas ou alteradas ao longo do tempo. 

Recomendações para as partes envolvidas

Desenvolvedores e inovadores devem trabalhar em conjunto com formuladores de políticas, reguladores, médicos e pacientes para garantir que o tipo e o nível de evidências esperados sejam robustos, realistas, razoáveis e formalizados. É preciso entender como relacionar os métodos de geração de evidências ao estágio de desenvolvimento das soluções. 

Também é preciso promover uma maior conscientização entre os profissionais de saúde sobre as soluções digitais para permitir a prescrição adequada desses recursos. Entidades de profissionais da saúde e sociedades médicas podem desempenhar um papel fundamental na educação e na orientação nesse sentido.

Por outro lado, os inovadores devem estar cientes dos benefícios de geração de evidências, incluindo o desenvolvimento acelerado de produtos. Órgãos públicos e reguladores devem estabelecer formalmente o uso de evidências reais nos processos de tomada de decisão e fornecer orientações claras sobre como essas evidências podem ser usadas para apoiar as decisões.

Os sistemas de saúde também devem estabelecer caminhos claros para reembolso das soluções digitais de saúde. Devem ser acompanhados de orientações sobre quais evidências são necessárias para inclusão no rol de procedimentos.