Mineração de cripto requer datacenters sustentáveis

Bitcoin
Cristina De Luca -

Agosto 16, 2021

A China fez recentemente uma grande contribuição para o jogo da mineração de criptomoedas, eliminando, de uma hora para outra, metade dos competidores mundiais. Não é comum autoridades governamentais se intrometerem dessa maneira em uma indústria lucrativa. Mas a China é a China. E o movimento de banir empresas mineradoras de bitcoin e forçar que outras empresas que suportavam essa indústria cessassem suas operações com criptomoedas causou um enorme impacto no mercado mundial.

Empresas que nunca pararam de processar os blocos de hash das criptomoedas, competindo para quem encontrasse o menor número hexadecimal que fosse menor que o alvo de cada bloco, beneficiaram-se imediatamente de várias maneiras. Primeiro, porque muitos de seus maiores competidores pararam suas operações, tornando maior a probabilidade de sucesso de quem permaneceu no jogo. E segundo, porque isso fez com que o grau de dificuldade na rede caísse e o processamento se tornasse mais fácil, chegando aos níveis da metade de 2020.

Para entender o segundo ponto, é necessário entender como funciona a rede de processamento de bitcoins, criada pelo personagem Satoshi Nakamoto com seu paper de 2008. Basicamente, uma pessoa que quiser participar da rede de mineração precisa encontrar um número antes que seus competidores, o que irá validar e autenticar um bloco de uma ou mais transações e impedir que uma pessoa que possua a moeda possa usá-la mais de uma vez para fins distintos. O vencedor dessa etapa ganha um valor em criptomoeda por seu serviço.

O grau de complexidade desses números, porém, aumenta com o tempo, propositalmente, com o crescimento dos competidores minerando dia e noite, com máquinas cada vez mais poderosas. E o que a China fez retirando todos os seus competidores tornou o jogo mais fácil para quem sobrou.

O recente apelo – e perseguição – do governo Chinês para que as empresas de mineração cessassem suas operações no país e outras indústrias parassem de dar suporte às criptomoedas causou também uma migração em massa dos negócios para outros países e um impacto grande na capacidade computacional necessária para a mineração.

O grau de dificuldade para o processamento de criptomoedas é ajustado a cada duas semanas, para manter a média de processamento em 10 minutos. Com base na potência computacional da rede, que caiu drasticamente com o cessar das operações na China, o último ajuste baixou a dificuldade a níveis tais que, pela mesma quantidade de trabalho realizada no ano passado, quem fizer a mineração e ganhar a corrida pelo hash do bloco vai coletar moedas no valor de mais de três vezes o que ganharia lá atrás.

Mais do que isso, com a baixa no grau de dificuldade, computadores que estavam ficando obsoletos e deveriam ser substituídos este ano ganharam uma sobrevida. E a China tem muitos deles, agora sendo exportados para diversos países a preços de liquidação. Assim, o problema de quem quer fazer a mineração não é obter as máquinas e sim encontrar um lugar para instalá-las, com baixo custo de energia e sistemas de refrigeração potentes.

O Casaquistão já recebeu diversas dessas empresas de braços abertos, com seus baixos custos de energia e proximidade de fronteira com o território chinês. É o quarto país que mais faz mineração de criptomoedas, com 6% de participação na taxa de hash global, de acordo com o Cambridge Bitcoin Electricity Consumption Index. Mas os EUA também têm acenado que podem – e querem – hospedar empresas e data centers de mineração chineses, como já fez o estado de Maryland, recebendo mais de três toneladas de equipamentos da China, e a cidade de Miami, com sua oferta de energia nuclear barata e abundante.

O consumo de energia

O debate sobre o impacto ambiental da mineração de criptomoedas, acompanhado de fortes opiniões de ambos os lados, trouxe à tona não somente a questão do consumo de energia por datacenters e centros de mineração e sua contribuição nem sempre positiva para o ecossistema global, mas também outras questões técnicas e regulatórias, fazendo com que países adotassem medidas radicais para atrair – ou expelir – esses lucrativos negócios.

O problema do consumo energético parece estar bem debatido, mas ainda com poucas resoluções específicas. Enquanto mineradores de criptomoedas como o Ethereum já manifestaram sua intenção de migrar para fontes de energia renováveis, acompanhados até de alguns pools de mineração de Bitcoin, o próprio Bitcoin ainda está lutando para chegar a um consenso.

A indústria dos data centers já passou por essa fase de críticas há 10 anos, quando foi amplamente martelada por seu uso intenso de energia fóssil. Mas hoje é o setor que mais usa energias renováveis no planeta, tendo Microsoft, Facebook, Google e Amazon Web Services como as empresas que mais compram energia solar e eólica.

É de se esperar, portanto, que uma transição similar aconteça com a indústria de mineração de criptomoedas. Mas isso não vai acontecer tão rapidamente, pois a mineração requer uma estrutura um pouco diferente da de um data center comum. Ao contrário de data centers comuns, que balanceiam o processamento dos servidores de acordo com a demanda, as empresas de mineração de criptomoedas tendem a espremer toda a capacidade que puderem de sua infraestrutura computacional, consumindo vastas quantidades de energia no processamento e resfriamento dos equipamentos.

Data centers comuns precisam ter disponibilidade o tempo todo, possuindo equipamentos de redundância e de backup para eventual recuperação imediata em caso de falhas. Centros de mineração não são prejudicados da mesma maneira no caso de uma falha, portanto não precisam de capacidade ociosa, tendendo a usar tudo o que têm 24 horas por dia, 365 dias por ano.

Mas se depender do manifesto da Bitcoin Clean Energy Initiative, a força da indústria de criptomoedas pode ser, por si só, uma alavanca para acelerar a migração do consumo mundial de energia para fontes mais sustentáveis. O artigo aponta porém para três questões pendentes que precisam ser endereçadas para que tal objetivo seja atingido. O primeiro é a evolução dos programas e serviços de gestão de energia, que precisam ser aplicados para decidir em tempo real o melhor uso dos recursos disponíveis. O segundo é a criação de marketplaces de energia e mineração para conectar as empresas interessadas no assunto, como desenvolvedores, mineradores e financiadores. Por fim, a manufatura de chips para fins específicos (ASICs) deveria ser ampliada, para que as máquinas usadas na mineração possam obter os melhores resultados com o menor consumo de energia.

Seja qual for a direção da adoção de fontes de energia renováveis e sustentáveis pelos data centers de mineração, hoje as barreiras de entrada estão mais baixas. Máquinas mais baratas – e que consomem mais energia que as mais modernas e mais caras – ganharam sua sobrevida e vão permitir que novos competidores entrem nesse jogo, em busca do prêmio em criptomoeda.

E não é para achar que os competidores chineses saíram todos completamente da ação. Muitos estão se recolocando e reposicionando para voltar mais fortes, operando de outros países, em busca de energia barata e regulações mais amenas, como este data center na Sibéria e sua oferta de energia “verde” ma non troppo. Mas isso é outra discussão.